domingo, 18 de setembro de 2022

O filho do carpinteiro

 "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor", Lc 4,18-19.

    O que, especificamente, Jesus quis dizer sobre si mesmo quando aplicou esse texto a sua própria vida? Como os ouvintes, de súbito, compreenderam?

   Talvez o primeiro impacto deles é que, de modo muito irreverente, como avaliaram, Jesus aplicou muito diretamente a si as Escrituras que leu. Devem ter pensado que eram palavras herméticas, de tão sagradas.

  Aplicáveis ao profeta, sabe-se lá por qual exercício compreendê-las, de que "unção" de Espírito o profeta falava, mas saltarem do texto, encarnando em Jesus, ou por Jesus, foi demais para eles.

   Como o Espírito do Senhor estar sobre Si? Talvez já a partir da afirmativa de Jesus que se cumpria nele tal profecia, enervaram-se, porque tal expediente, na profecia de Isaías, diria respeito a quem, quem sabe o profeta, segundo avaliavam, jamais se encaixaria no filho do carpinteiro.

   À medida que Jesus seguia em grau, expandindo na leitura e linguagem do texto, para dizer, ao final, que esse é o dia desse cumprimento, aprofundava-se o escândalo. Porque o hoje a que Jesus se referiu está mais ligado a Ele mesmo do que ao calendário.

   Os ouvintes entenderam assim. Por isso assustaram-se com a ousadia do pregador do dia. E então mais assustou-os a linguagem do modo como o Espírito vinha sobre Ele.

   E certamente, por esse meio, nesse dia na sinagoga de Nazaré, Jesus indicou o modo como o Espírito vem sobre cada homem e mulher. Porque vindo sobre Jesus, por Ele, vem a todo o que crer.

    A unção de Jesus, orginal sobre Jesus, por meio de Jesus, identifica com Ele todo o que crer. É Jesus o primeiro a evangelizar os pobres. Em que sentido? Desprovidos. Não no sentido somente de bens materiais. Porque há quem não é desprovido desses bens, mas é depauperado de espírito.

   O mesmo raciocínio se aplica às outras modalidades de atenção, alvos do poder de Jesus. Há quem não seja cativo de vergões, mas é prisioneiro de si mesmo.

   Quanto aos cegos, é literal. Somente Jesus pode abrir os olhos de quem está em trevas, que não são essas corriqueiras da vida, falta da luz do sol ou de lâmpadas que alumiam, mas são as primordiais, que afundam a existência no caos íntimo, no mal que há dentro de cada um.

    Tudo isso oprime. A pobreza de virtudes de que, como ser humano, somos desprovidos. A prisão que nos amarra em ser e proceder ao inverso da vontade de Deus é o maior e mais impositivo cativeiro. E não enxergar que é, exatamente assim, constitui-se na maior tristeza e depressão da existência.

   Toda essa carga nos oprime. Mais do que de fora para dentro, como afirma o próprio Jesus, é de dentro para fora, do coração do homem e da mulher, é que aflora toda a maldade que nos atormenta e mantém cativos.

   Mas Jesus inaugura o ano aceitável do Senhor. Mas do que somente o tempo cronológico, surge o tempo da oportunidade. A vida que Jesus vem nos devolver nos encontra neste tempo da história humana, mas se projeta para a vida eterna.

   Jesus constitui-se no decisivo e profético sinal do Reino de Deus. Eis o agora de Deus. O tempo aceitável. O dia da salvação. Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Eis o tempo sobremodo oportuno. Eis o dia da salvação 

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