sexta-feira, 23 de abril de 2021

Certo dia, Limeira

 Certo dia, irrompeu, subitamente, no apartamento da Magalhães Couto, no Meier, Limeira, para falar sobre Copacabana. Ele era o homem de todos os sonhos.

     Para mim ele representa o homem da foto nas obras do Seminário da Pedra de Guaratiba, na década de 40, retirante nordestino, baiano, que alcança o Rio de Janeiro, e se casa com a amiga de infância de minha mãe, as duas desde três anos de idade, por volta de 1930, nos alicerces da ainda nem inaugurada Igreja Evangélica Congregacional de Nilópolis, templo antigo da Gal Mena Barreto.

    Clovelina de Ávila Limeira, filha de Alina e Clóvis, razão de seu nome. Conheci os dois, na casa num dos morros da antiga Nilópolis, rua ainda sem asfalto, carro não chegava à porta, subia-se a pé. Esse Limeira chegou de surpresa, lá no Méier, num dia luminoso de 1991.

     Como luminosas eram as visões e os sonhos de Limeira. Havia posto a família Castro em Boa Vista, Roraima, onde mais ao norte havia chegado. Sem contar Manaus, onde sua própria filha e o genro, um dia, iriam atuar como obreiros, ela seminarista de minha turma nessa mesma unidade do externato, nos fundos da Igreja Evangélica Fluminense, na Alexandre Mackenzie, 60, a partir de 1978.

    E seu futuro noivo, Nelson Sá, no Instituto Palavra da Vida, em Atibaia, São Paulo, a coqueluche da época, onde também estudaram Levi Castro, um dos filhos da família de desbravadores que Limeira convidou para Boa Vista, hoje pastor há mais de 20 anos missionário na Turquia e agora na Bulgária, e mais tarde Thiago, o filho de Paulo Leite, com quem viemos a Rio Branco, Acre, em 1993. O filho é pastor em Roraima.

     Havia colocado Nelson e Josilene Rosa em Rio Branco, Acre, em 1984, onde estou desde 1995. Num dia de 1991, Limeira foi ao Méier me chamar para cuidar de Copacabana. Luminosa também foi a tarde em que, pela primeira vez, vi as luzes que entraram pela janela do kitchenette da Nossa Senhora de Copacabana.

    Porque na década de 80 deslocou-se, de São João de Meriti, para lá, uma família do que eram chamados, na época, "novos ricos", os Spiller, e Limeira nunca perderia a oportunidade de iniciar ali uma igreja congregacional, espírito raro de desbravador ele tinha. Talvez por causa da sua marca de retirante, como alguém ermo e permanentemente peregrino, Limeira queria estar em todos os lugares.

    Pelo menos me lembro de Roraima, Manaus, Rio Branco, Copacabana, estes dois últimos, onde passei, de 1991 a 1994, e Rio Branco, onde estou, desde 1995. Havia luz e o mesmo incômodo no olhar de Eunice Spiller, a alma do quitinete. Ativa, diligente, incomodada todo o tempo com o muito que havia por fazer naquele bairro todo, era minha guia pelos labirintos das ruas, pelas casas de suas amigas, gente de sua geração, que conhecia nome a nome.

     E me levava a todas essas casas, a todas essas reuniões, queria me ver lendo Bíblia com essas pessoas. Como no dia em que avistei a praia, a partir de uma faixa contínua de vidro, por debaixo da janela do apartamento do filho Paulo, para ela o eterno Paulinho, o filho mais velho, residente num dos prédios da Av. Atlântida. Conheci todo o clã, orando com o patriarca Geraldo Spiller, no apartamento da Tonelero, pelo qual também se avistava a rua, com vista do segundo andar, por uma parede de vidro.

    Cláudio, o caçula, Marli, a cantora lírica. Pouco conheço dos filhos dos filhos e filha, quer dizer, dos netos, desta eu destaco Hugo, ainda tenro na idade, e Joelson, esse o escudeiro constante de Eunice. Ela como um Dom Quixote feminino, a desbravar todo aquele bairro, no seu sonho luminoso, contagiada por Limeira, e seu neto o Sancho Pança grudado com ela todo o tempo.

    Limeira é muito mais do que apenas esses lugares aí acima mencionados. E Eunice Spiller não foi a única a quem ele contagiou, como numa epidemia missionária que nunca deveria acabar, para a qual a cegueira subsequente acometida bloqueou essa iniciativa, porque poucos existem como o homem Jesus, conscientes de uma mensagem a compartilhar e que, por ela e em nome dela fazem qualquer loucura, em qualquer lugar.

  Eunice Spiller quando me levava, pelos labirintos de Copacabana, acreditava no sonho luminoso de Limeira e queria que eu lesse Bíblia nessas casas de suas amigas, na casa de seus filhos, ao lado de seu marido e filha, porque acreditava num tipo qualquer de alento que essa mensagem pudesse trazer. Ela era uma mulher, como Jesus, pelas ruas de Copacabana, comigo no início dos anos 90, por si mesma desde a década de 80.

  Contagiada pelo retirante nordestino sem rumo ou, quem sabe, de todos os rumos, que sonhou implantar uma igreja congregacional num bairro incrustado entre mar e montanha, onde as demais denominações tinham todas os seus templos, já há quase 50 anos, e a mais antiga entre elas havia se esquecido desse desafio. Não para Limeira. Para ele, todos e qualquer desafio, a qualquer hora, em qualquer lugar.

Um comentário:

  1. Que primor de texto, tão real, um filme passa em minha cabeça de uma das filha do Limeira.
    Um orgulho do pai visionário e missionário, que viveu por amor, doando seu tempo, suas forças em prol do Evangelho de Cristo.

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