quarta-feira, 7 de abril de 2021

Jesus e as estrelinhas - ser ou não ser cego - 3

      Em meio ao burburinho da hora, o homem cego ouviu: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo". Apurou os ouvidos, como a captar detalhes de sons, rotina do modo como formava imagens mentais.

    Foi quando. Porque ao soerguer o rosto, como num movimento circular, pelo seu radar natural, na direção da fala, expôs os olhos e facilitou o trabalho do estranho. Apenas sentiu, encaixado na cavidade dos olhos, primeiro num, depois no outro, arranhando, sem saber, um polegar que pressionava terra mistutada a saliva.

     Quem à volta enxergava, estupefez-se: que molecagem fizeram ao ceguinho, para não usar o termo chulo. Os apóstolos, perto, também sem entender nada, já estavam acostumados com Jesus, surpreendiam-se a toda hora, então respeitaram o inusitado.

      Outros comentavam entre si: o que foi? Ora, o galileu cuspiu no chão, lambuzou de lodo, ai, que nojo, o olho do cego, e mandou ele se lavar no tanque. Olhos se entreolhavam e voltavam, agora, atentos ao desfecho.

     O homem cego disse um Ei! exclamação de espanto, sentiu o incômodo, por instinto levou as mãos à meia altura, mas sem tocar os olhos, e ouviu o "Vai e lava-te no tanque de Siloé".

    Lacônico: "Ele foi, lavou-se e voltou vendo". Mas ainda vale a pena deter-se entre o Ei!, do toque, da hesitação, entre o tato e a obediência ao comando, o deslocar-se, duplamente cego, porque sem ainda compreender toda a trama, estupefação mental, suspense, para o lavar regenerador, quando paulatinamente a areia, retirada, parou de arranhar, e a luz definitiva veio entrando.

     Desta vez, ao soerguer o rosto viu, pela primeira vez, nitidamente, a luz e o foco, contornos, cores e formas, viu suas próprias mãos, os olhares espantados à volta, folgou, em alegria, a mente ainda ordenando as peças do último acontecimento, mais uma das que Jesus aprontava.

     E todos à volta perguntavam a ele. E não se cansava de dizer: "O homem chamado Jesus fez lodo, untou-me os olhos e disse-me: Vai ao tanque de Siloé e lava-te. Então, fui, lavei-me e estou vendo". Simples assim. Onde está esse homem? Por enquanto, não sei seu paradeiro. Mas quero muito reencontrá-lo.

     Correu a notícia. Chegou aos fariseus. Como assim? Ora, como assim, não estamos dizendo: era cego de nascença, de nascença, enfatizavam. Temos de tomar providências. Pensando na própria reputação que, para eles, sempre vinha em primeiro lugar, resolveram investigar.

     Trouxeram o homem. Sim, o que ocorreu? Estão falando que... Você confirma? De novo, lacônico, preciso e repetitivo: "Aplicou lodo aos meus olhos, lavei-me e estou vendo".

     Resolveram, então, entrar numa discussão teológico-doutrinária sobre a guarda do sábado. Deu em nada com o homem. E começaram, entre si, esse homem não é de Deus, porque mandou quebrar o sábado com tarefa. Não, diziam outros, se não fosse de Deus, não faria o milagre. Mas que milagre?

     Olhos espantados, olhares entre si mas, como dizia meu pai, aguentaram firmes, não passaram recibo e, até o final, apostavam na fraude. O que você diz, queriam saber para que lado da discussão penderia o ex-cego. Pendeu para nenhum dos dois: tinha opinião própria. Lacônico: é profeta.

     Chamem os pais. Vieram os pais. Esse aí é filho de vocês? Ora, mas sim. Verdade que nasceu cego? Sim, de nascença. Mas como está vendo? Ora, só perguntando a ele.  É maior de idade, pode dizer.

     É nosso filho. Nasceu cego. Mas como está aí, olhos arregalados, mas vendo, isso não sabemos. Perguntem a ele. Idade tem e pode responder. Sabemos. Ouvimos. Não precisa repetir. Os pais mantinham o "padrão fariseu" de isenção, quando se tratava de Jesus.

    Então, voltaram-se para o homem, dando por encerrada a polêmica e definindo os parâmetros do caso: quanto a você, dá glória a Deus, mas esquece esse homem, porque é pecador, e a prova disso é que violou o sábado.

     Bem, embora não pedissem a opinião, desta vez o homem avançou, ora, se é pecador, eu não sei, o que sei é que era cego e agora vejo. Arregalavam-se os olhos, de novo, por duas razões: o atrevimento do homem e a insistência do testemunho, em que não queriam acreditar.

      Meio que sem saída, sem ter o que dizer, perguntaram de novo, mas como mesmo te fez o homem? Para que provocaram: já disse. Então, para que repetir? Querem a confirmação para também crer nele? Tornarem-se discípulos, como a dizer, porque eu, já o sou.

     Injuriaram-no e o expulsaram. Não sem antes dizer, somos discípulos de Moisés, e não desse estranho. E ouvir: estranho é exatamente vocês o desconhecerem. Porque abriu os meus olhos, cego de nascença, em dois sentidos, o que não acontece todo sábado.

     Deveriam crer nele. É de Deus. Puseram-no para fora. Jesus o soube, foi-lhe ao encontro, para perguntar: "Crês tu no Filho do Homem?". Preciso saber quem é, porque estou ansioso por crer. Santa ansiedade.  Eu sou. Aqui, falando contigo. Sim, claro, creio e te adoro. Jesus, então, falou, em duplo sentido: eu vim para abrir os olhos aos cegos.

     O fariseus sentiram-se provocados e passaram recibo: está nos chamado de cegos? Jesus, irônico, replicou: não, vocês enxergam. Eu vim mesmo para abrir os olhos dos que, verdadeiramente, se consideram e se reconhecem ser cegos. 

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