sexta-feira, 23 de abril de 2021

Uma breve história de Lia

 Já disse que a presença da colônia judaica em Copacabana é bastante acentuada. E como foi prazeroso que um número significativo de mulheres desejassem estudar conosco a Bíblia.

Certa vez uma delas perguntou se eu, como pastor evangélico, iria tentar convertê-las. Essa, noutra vez, também foi a pergunta de Hilede. Eu respondi que somente Deus converte. Que nem eu mesmo me havia convertido. Porque se ocorreu, era falso.

Estudamos Jó. Isaías e Jeremias. Trechos escolhidos dos Salmos. E começamos os profetas menores. Eu somente combinei com elas que, quando esbarrássemos num texto do Antigo Testamento que apontava, claramente, para o Messias, eu afirmaria que é Jesus. Assim eu cria e assim testemunharia. Combinado. Não houve reclamações.

Certa vez uma delas, Lia, nome fictício, para preservar a identidade dela, que tinha nome bíblico, procurou-me. Trazia angustiada a sua alma. Nesse dia, por algum motivo, d. Eunice não estava conosco, portanto essa história ficou entre ela, eu e o Altíssimo, haShem, "o Nome", como eles chamam, ou haHolam, "o Eterno". Somente nós três. E nestes dias de hoje, com certeza, somente eu ainda vivo.

Lia trazia um drama que compartilhou comigo. Viviam, ela e seu esposo, por razões religiosas, éticas ou sociais, no contexto de sua cultura, separados fisicamente, mas residindo havia anos, acho que na época ela disse que chegavam quase a 20, no contexto da mesma família, mas em quartos separados.

Naqueles dias o marido, desesperado a procurara, com um problema extremo. E ela passou a descrever. Pastor, a mulher que é pivô de nossa separação contraiu câncer e não tem quem dela cuide. O senhor acredita que meu marido me procurou, pedindo que eu a receba em nossa casa? Eu acreditei.

Lia fez a pergunta que eu já esperava. O que o senhor me diz? O que devo eu responder a ele? Eu disse que não poderia dar nenhuma orientação nesse caso. Que essa era uma escolha dela. Perguntei se ela entendia o meu dilema. Por alguns instantes repassamos juntos o que fora o problema dela, a manutenção das aparências, mormente em relação aos filhos, e agora, diante do inusitado da situação, a decisão a tomar.

Ela afirmou que já tinha uma decisão. Eu havia dito que ela refletisse, que iríamos orar, que mais tarde poderíamos nos econtrar e compartilhar essa mesma situação. Não. Ela havia decidido. Pastor, eu vou ajudar essa mulher. Ore por mim. Posso orar? Ela disse que sim. Então eu disse que teria de orar em nome de Jesus. Ela me disse que poderia ser desse modo.

Eu falara como provocação. Ela afirmou com convicção. Para minha surpresa, Lia ajoelhou-se, muito incomum, senão inconsequente para um judeu. Mas ela acompanhou minha oração ajoelhada. Depois, surpreendentemente, ela orou também. Isso me deixou extasiado.

Levantou-se, despedimo-nos, e acho que nunca mais eu vi Lia. Talvez uma ou duas vezes muito rápido, numa das reuniões do EA. Se assim o foi. Mas  naquela noite, ali no quitinete, levantou-se convicta de que estava fazendo o que era correto. Uma história de amor.

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