sexta-feira, 16 de abril de 2021

Visões da Bíblia - Josué e o príncipe de espada nua - 15

      Ainda que com certeza de vitórias, devido à firmeza de sua fé, um comandante às vesperas do início do que sabia ser um ciclo de guerras de conquista, diante do que elas representam, não haveria de estar totalmente indiferente.

     Josué reconhecia que, ao mesmo tempo em que Deus lhe garantia e ao povo vitória, nessa nova fase, 40 anos depois de quase ser linchado, junto com Calebe, pelos pais e avós da geração anterior desse povo que agora liderava, estar às vésperas de sua primeira batalha mexia com sua estrutura emocional.

      Quantas mães ficarão sem filhos? Quantas esposas viúvas? E quantos filhos morrerão ou ficarão sem seus pais? A promessa feita a Abraão, havia quase 500 anos atrás, pronta a se concretizar estava, porém, condicionada a batalhas de conquista que, embora sob promessa profética de vitórias, condicionavam-se às circunstâncias de quaisquer guerras, com suas perdas e sequelas.

      Por isso é bem certo que Josué não encontrasse, naquela noite, às vésperas do início desse ciclo, tranquilidade de espírito para dormir ou manter-se frio diante da situação para a qual, dia seguinte, conduziria o povo de Israel, visando a conquista daquela faixa de terra, uma praia do Mediterrâneo, o chamado Grande Mar, na beira de um deserto.

      Estava ocupada por várias famílias de povos, em geral conhecidas como os caananitas ou pelo nome de uma delas mais notória, os amorreus. Deus havia prometido ao patriarca desse povo que os deslocariam e tomariam para si essas possessões. Mas essa profecia se cumpriria condicionada, primeiro, à fidelidade e santidade do povo e, em segundo lugar, ao resultado da guerra de conquista, pela ponta das espadas.

      E Josué levou a mão à empunhadura de sua espada quando, mergulhado nessas preocupações, viu os contornos de um homem empunhando a espada dele, em guarda, surpreso perguntou: "És tu dos nossos ou dos nossos adversários?". Js 5:13. Josué ouviu um não como resposta. Fico pensando, nesse átimo de segundo, a reação dele.

       Não o quê? Era inimigo? Era um judeu desconhecido? Josué não conhecia todos no arraial. É evidente que, por sua experiência, já havia percebido ser um estranho, com poucas características do judeu médio de seus dias, pela aparência e pelas vestes. E o mais chocante de tudo que, inclusive, motivou a pergunta de Josué, com a espada desembainhada, nua diante de seus olhos.

       Não. "Não; sou príncipe do exército do Senhor e acabo de chegar". Js 5:14. Interessantíssima essa resposta. Ao mesmo tempo um despiste, um alerta e um assombro. Despiste, porque o "não" não respondia à pergunta objetiva de Josué, já de prontidão e em guarda.

        Um alerta, porque aquele ser empunhando uma espada nua provocava uma situação que exigia defesa mas, ao mesmo tempo, a situação em si gerava, ao mesmo tempo, um freio, porque era necessário saber de quem se tratava e que tipo de atrevimento era aquele. Afinal, tratava-se dos arredores do acampamento de um exército em prontidão.

      E assombro pela resposta que, definitivamente, associada ao perfil e à performance da personagem, tudo esclarecia e movia para cima, a um só tempo, todas as preocupações daquele general. Não, acompanhado de suspense.

     Sou príncipe, injetada ainda mais adrenalina. Príncipe? E me encarando com uma espada nua? Na mente de Josué a rapidez de processamento das informações provocava nele um tornado de percepção e de emoções. E o meu exército é o do Senhor.

       Para cima. Todas as preocupações de Josué foram atiradas para cima. E ainda quando a personagem enunciou a última sentença do recado, que parecia fora de contexto,: "Descalça as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é santo", Js 5:15, como num assalto, Josué já prostado ao chão, por causa das declarações iniciais, pôde completar o ciclo da totalidade de sua história.

      Do jovem assustado e deslumbrado, que acompanhou Moisés na subida ao Sinai, confundindo alarido de orgia com alarido de guerra, que foi discípulo do legislador, acompanhando de perto os transes do que aquele povo avaliava como loucura e Josué como providência de Deus na vida do líder.

      O quase linchamento, junto com seu inseparável amigo de fé, Calebe, após terem dado o único relatório de Canaã que a fé permitia dar, seu livramento miraculoso, experimentar por 40 anos as estações da rebeldia, pelo deserto, com a geração que nele caiu, "porque a palavra que ouviram não veio acompanhada por fé, naqueles que a ouviram".

     Teve confirmada a sua vocação. Ouviu de Deus que fosse forte e corajoso, mas para meditar, guardar, cumprir e pregar a Lei de Moisés, que era a sua Bíblia, agora ouvia como que uma sentença fora de contexto, mas que correspondia ao começo, para Moisés: "Descalça as sandálias". Descalça e descalço. Com os pés nus, nas areias escaldantes desse deserto.

       "E fez Josué assim". Bem e bom, que tenha feito. Porque não há nenhuma outra forma de, como foi dito no contexto de sua vocação: "... para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares". Js 1:7 e, mais uma vez: "... então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido". Js 1:8. Porque "Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o Senhor, teu Deus, é contigo por onde quer que andares". Js 1:9.

      Bastou a Josué aquele "príncipe do exército do Senhor", em guarda, excitar sua adrenalina. Para que as promessas, que não falham, na vida de ninguém, entre os que creem, fossem lembradas e confirmadas. Sigamos descalços. Ainda que caminhando no deserto. Atentos, porque o movimento é para cima.

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